segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Crônica sobre o óbvio


Quer coisa mais óbvia do que uma noite num pronto-socorro qualquer após sentir uma indisposição? A espera longa e angustiante para ser atendido é óbvia, o diagnóstico “certeiro” do médico de que o problema é uma virose é ainda mais óbvio e a condenação a ficar horas tomando remedinho no soro é o tratamento menos surpreendente do mundo. Assim foi meu último sábado.

Tanta obviedade junta me fez lembrar, enquanto tomava o meu soro, as legendas das fotos da Folha de S.Paulo e do UOL, que se limitam a explicar o que todos já estão vendo. Na cobertura do recente debate presidencial promovido por ambos, o portal publicou uma foto de Flávio Florido, reproduzida neste post, com a sensacional legenda: “Microfone utilizado por um dos candidatos à Presidência”. Além da obviedade, cabe outro questionamento: será que o microfone teve desempenho tão decisivo no debate para ganhar um retrato especial?

O jornalismo, na verdade, está cheio de coisas óbvias. Cadê a preocupação com os tais fatos relevantes? Político beijando criancinha, andando de metrô e comendo pastel na feira em período eleitoral é a coisa mais óbvia do mundo. O fato relevante é ele fazer tudo isso depois de eleito. Noticiar que uma participante do Big Brother revelou que fará uma lipoaspiração após o programa para poder posar para a Playboy é a coisa mais normal, esperada e sem graça. Fato relevante é ela anunciar que vai fazer um curso de Filosofia.

Como aquela noite de sábado me deixou mal-humorado!

- Ô, meu amigo, não dá para liberar mais soro aí?, questionei o enfermeiro. Do jeito que esse negócio pinga devagar eu vou ficar aqui até amanhã de manhã.

Quer coisa mais óbvia do que um soro que pinga devagar numa noite interminável num pronto-socorro qualquer?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Você votaria nestes jornalistas para deputado?


Paulinho Foca
Você não me conhece! É que eu acabei de me formar e ainda estou desempregado. Vou lutar por trabalho decente para os jovens jornalistas. Chega de só ficar escrevendo notinha ou cuidando de tabelas e gráficos. Foca vota em foca!

Adílson do Sindicato
Em minha longa trajetória como dirigente sindical, não consegui bons dissídios para a categoria, nem tive sucesso em questões como direitos autorais aos jornalistas e defesa do diploma, mas preciso de uma nova chance. Como deputado, lutarei por você!

Rita de Cássia
Sou mulher, mãe, filha, cunhada, tia, jornalista, repórter, pauteira, fotógrafa, designer, faço frila nas horas vagas e doces para vender na redação e, de madrugada, ainda lavo as cuecas sujas do meu marido! No Congresso, posso fazer muito mais!

Professor Eugênio
Por um curso superior de jornalismo de boa qualidade. Pela inclusão da disciplina “Finanças Pessoais” no currículo. Pela legalização da maconha e do jogo de truco nas universidades públicas. E, claro, pela volta do diploma!

Mulher-nêspera
Quem disse que mulher-fruta não pode ser jornalista também? Por mais gostosas na redação. Abaixo o curso superior! Abaixo a Marília Gabriela! Prometo lutar para que toda gostosa tenha seu próprio programa de previsão do tempo ou de esportes radicais.

Tonhão
Você está cansado de trabalhar por dias e dias sem descanso? Não suporta mais perder o churrasco do domingo por ser obrigado a estar na redação? Chega de exploração! Contra o patrão, ou melhor, contra o plantão, vote Tonhão!


A nova enquete deste blog quer saber se você votaria em um jornalista para deputado federal. Seu voto é muito importante, pelo menos aqui, nesta pesquisa.


A enquete encerrada – Jornalista, em tempos de bullying, que termo pejorativo já te ofendeu ou mais te ofenderia? – teve como vencedora a expressão “Jornaleiro”, com 32% dos votos. Grande parte dos votantes não se incomoda tanto em ser chamada de corno ou cagão, por exemplo. Mas não ouse chamar um jornalista de jornaleiro!

Importante: o resultado da enquete foi repudiado pela Associação Brasileira de Jornaleiros que, em e-mail enviado a este blog, afirmou que "a comparação com os jornalistas também denigre a imagem da categoria".

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Encontros e desencontros


A nova estagiária de Política ama o editor-executivo do jornal, que dá em cima da repórter especial de Economia, que é apaixonada pelo diagramador de Esportes, que vive atrás da foca de Cultura, que suspira pelo crítico de Teatro, que fica todo assanhado com o redator de Internacional, que quase perde o deadline por causa da fotógrafa da Coluna Social, que fica molhadinha com a editora-assistente de Turismo, que até esquece o salário de merda que ganha quando vê o chefe da Arte, que trairia a mulher numa boa por uma noitada com a secretária do Arquivo, que não tira os olhos do estagiário do caderno de Tecnologia, que tem sonhos eróticos com a colunista do Suplemento Feminino, que está louca para agarrar o motorista negão e sarado, que quer “traçar” a pauteira de Geral, que planeja dar para o diretor de Redação, que já comprou caixas de Viagra na esperança de comer a repórter de Sustentabilidade, que todo mundo sabe que é lésbica. Menos ele.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Crônica sobre a rapidez do mundo


Quem não tem um emprego tem, ao menos, tardes livres. Desempregado, consigo resolver certos problemas ideais para serem resolvidos em tardes comuns da semana, como ir ao banco renegociar os juros do cheque especial ou levar o meu Corsa Wind 97 modelo 98 a uma oficina mecânica para um sujeito cheio de graxa consertar o radiador furado.

Para fugir da loucura do fim de semana, decidi visitar a Bienal do Livro de São Paulo na tarde da última quinta-feira. Eu queria paz e tranqüilidade, mas embarquei numa aventura. O pavilhão do Anhembi tinha sido invadido por hordas de crianças com uniforme escolar que não respeitavam este jornalista velho. Aquilo parecia mais um parque de diversões do que uma feira de livros. Um dos estandes chegava a lembrar um brinquedo do Playcenter, do tipo visita à casa do terror, com direito a uma fila enorme e barulhenta.

Estava tão incomodado com aquela bagunça infanto-juvenil que, por um instante, eu, grande defensor da idéia de que os jovens precisam ler cada vez mais, mudei radicalmente a minha opinião. “Porra, por que essa molecada não está na Internet agora? Vão para os seus PCs, notes, celulares, MSNs, joguinhos on-line e me deixem em paz! Livro não dá futuro pra ninguém!”, pensei em gritar. Mas não gritei. O máximo que fiz foi me esquivar dos grupos que vinham em direção oposta, com medo de ser atropelado. E talvez pisoteado.

Aquela molecada tem uma velocidade assustadora e, no fundo, está perfeitamente conectada ao mundo, que é igualmente veloz. Eu é que fiquei velho e lento. Esta é a verdade. Os jovens fazem tudo muito freneticamente. À noite, em suas camas, devem até sonhar em apenas 140 caracteres. Mas a Bienal também me ensinou que, mesmo um pouco fora da realidade, o velho pode sobreviver e conviver com o novo, pois lá, em meio a tantas tecnologias, como audiolivros, e-books e Kindles, resistia, com bravura e dignidade, o estande da enciclopédia Barsa.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Dicas básicas para um foca não morrer na praia


Cuidado com o deslumbramento. Controle a vaidade. Não é por você ter assinado uma matéria e andar no carro da reportagem que poderá empinar o nariz e ficar com ar blasé por aí. É preciso ralar muito para reivindicar o direito de se achar o “fodão”.

Numa pauta, nunca tente dar ordens ou orientar o trabalho de um fotógrafo experiente. Cada um faz a sua parte. Ou você corre o risco de ouvir algo do tipo: “Sabia que quando você ainda se borrava todo nas fraldas, eu já trabalhava na imprensa?”.

Não fique enchendo o saco do editor com perguntas a toda hora. Saiba que ele é um jornalista ocupadíssimo, apesar de gastar um bom tempo contando piadas pelos corredores e brigando com a mulher no telefone. Evite um esporro em público. É o maior mico.

Não fique sacaneando os colegas mais velhos por ainda usarem aquelas jurássicas agendas de telefone e sofrerem para aprender a mexer nos novos modelos eletrônicos. Amanhã, você poderá precisar de algum contato importante deles.

Foca precisa ser sempre prestativo. Os editores adoram jovens disponíveis para serviços extras, como pegar um cafezinho e ir à lotérica ao lado da redação fazer uma fé na Mega-Sena para eles. São experiências que não se aprendem na faculdade.

Não faça biquinho por ter de redigir notas de pé de página. O foca tem pouco espaço mesmo. Nunca recuse uma pauta de seu chefe, por mais esdrúxula que seja. Caso contrário, você estará condenado a servir cafezinho e ir à lotérica por um bom tempo.

Dúvidas são normais no início da carreira, como descobrir o melhor enfoque a dar para um texto. Errar faz parte da vida. Tudo isso é importante para a evolução do jornalista. Só não faça a besteira de colocar o lead no pé da matéria. Por favor.

Se até os jornalistas mais velhos não são os maiores sábios, o que dizer de um jovem? Não diga que você é expert em economia só por saber quanto se paga de juros no cheque especial ou em cinema expressionista alemão só por ter visto Nosferatu.

Atenção para o excesso de ilusões. Não ache que você vai viver num mundo de glamour e ficar rico agora que já é um jornalista e arranjou emprego. Quando você resolver morar sozinho e bancar todas as contas com o seu salário entenderá o que estou dizendo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Alguns tipos de jornalistas “high-tech”


Matheus ouviu falar em jornalismo colaborativo. Depois, na queda da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. As duas coisas convergiram e ele passou a ser um “jornalista colaborador sem diploma”. Com um celular que tira fotos e faz gravações de vídeo e áudio em alta qualidade, passou a farejar flagras pelas ruas. Quando começa a chover em São Paulo, corre para os pontos mais críticos de enchente na esperança de registrar algum salvamento heróico com exclusividade. Se captar um afogamento heróico, ainda melhor, pois acredita que emplacaria o vídeo no Datena. No dia em que lhe perguntaram se não sentia falta das aulas de ética jornalística de uma faculdade, hesitou um instante, levantou a sobrancelha esquerda e respondeu com outra pergunta: “O que é isso?”.

Patrícia decidiu ter um blog, afinal todos os seus jovens amigos jornalistas tinham um blog. Ouviu alguém dizer – aliás, quem mesmo? – que o jornalista hoje tem obrigação de ter um blog. Seu primeiro dilema foi: o que escrever? Descobriu que não tinha nada de interessante para escrever, mas isso não inibiria sua empreitada. Como não arrumava emprego mesmo, até que não era uma má idéia ter um blog. Decidiu que seria uma página opinativa. Comentaria sobre tudo, política, cinema e até futebol, mesmo sem entender do assunto. O diferencial seria o tom polêmico. Ouviu alguém dizer – quem mesmo? – que jornalista tem de ser provocador. Apenas as suas duas melhores amigas leram seu primeiro post – o impacto do fenômeno Lady Gaga na determinação da sexualidade das futuras gerações. Acharam o texto meio sem nexo, mas Patrícia considerou a discordância saudável. Empolgou-se tanto com o blog que, além de opiniões diversas - e muitas vezes sem nexo -, criou um canal para divulgar, “em primeira mão”, notícias que chupa dos grandes portais.

Eduardo gaba-se de ter rompido com o primitivismo das clássicas ferramentas de trabalho de um jornalista. Coisas de velho. É um jornalista impregnado de tecnologia. Novos tempos, enfim. Aboliu o bloquinho de anotações e a caneta, que lhe eram completamente inúteis. Nunca saía da redação para fazer reportagens mesmo. Bloquinho pra quê? Sua praia é outra. Manja tudo de softwares de edição de texto, de fotos, de vídeos. Vive falando de podcasts, webcasts, novas plataformas, redes sociais. E nisso é bom mesmo, melhor do que qualquer um na redação. Até que num dia o editor convocou Eduardo para uma força-tarefa nas ruas. Participaria de uma grande cobertura, deveria entrevistar gente comum. “Mas como se entrevista gente de verdade?” O editor lhe deu algumas instruções rápidas de como fazer uma apuração minimamente decente e, por fim, acrescentou: “preste muita atenção nas pessoas, nas coisas ao redor. Observar é muito importante. E quer saber? Ao vivo é bem melhor do que pela webcam!”.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quem disse que jornalista não anda de Ferrari?


Jorge Henrique era um renomado jornalista automotivo, inteligente, bem-humorado, amigo de todos. Mas tinha um defeito: de tão apaixonado por carros, só falava de carros. Um martírio para quem não entendia do assunto. “Vocês viram que a BMW lançou um conceito de sedã com desenho de cupê no estilo do Mercedes-Benz CLS?”, bradou, recentemente, ao encontrar os colegas do futebol no bar, quando todos discutiam se o Alex Escobar era ou não era um cagão.

Noutra ocasião, no velório de um vizinho, chegou cantando os pneus de um utilitário que acabara de pegar no jornal para testar e escrever uma matéria. “Este modelo tá demais, com novo sistema de sensores eletrônicos na suspensão. E o câmbio? Automático de seis velocidades!”, cochichava no ouvido das pessoas, indiferente ao climão de chororô.

Nos encontros familiares, nunca perdia a oportunidade de exibir seus conhecimentos automotivos, mesmo que ninguém entendesse o que ele falava. Quando descobria que alguém estava interessado em comprar um carro novo, sempre se prontificava a dar conselhos. “É bonitinho, mas ordinário. Tem um motor de merda. Fiz até uma matéria sobre isso. Você não leu?”

A paixão de Jorge Henrique por carros era antiga. Na infância, não brincava de esconde-esconde ou de médico com as primas. Brincava de autorama. Na adolescência, trocava o cineminha com a namorada para jogar Enduro no Atari ou ajudar o pai a encerar o Escort XR3 da família. Já adulto, nos salões de automóveis, nem dava bola para as belas modelos nos estandes. Só tinha olhos para os carros. Um dia, dirigiria uma daquelas máquinas.

Formado em Jornalismo, arranjou emprego na seção de Automóveis. Se a redação não lhe dava dinheiro, pelo menos lhe deu a chance de realizar o velho sonho. Como adorava desfilar com os carrões emprestados pelo jornal! Enchia o Orkut de fotos de seus brinquedinhos. Revelava aos amigos detalhes de cada manobra. Quem disse que jornalista não anda de Ferrari? Nessas horas, até esquecia que, na garagem de sua casa, jazia seu 1.0 caindo aos pedaços, com a lataria toda enferrujada. Mas isso ele não contava pra ninguém.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O horóscopo jornalístico da semana


Áries: Fase propícia para o amor. Se você é solteiro, dê uma atenção especial àquela repórter coroa do suplemento agrícola que acabou de se separar e está louca para tirar o atraso ou àquele fotógrafo galinha sempre disponível. Mas controle seus impulsos e vá, claro, a um motel. Nada de sacanagem dentro do carro de reportagem. Questões financeiras complicadas.

Touro: Aluguel atrasado em conjunção com a conta da luz atrasada indica que o período é propício para buscar alguns frilas. Não fique constrangido em telefonar apenas para pedir um favor àquele velho amigo que você tinha esquecido completamente. O momento é também propício para ser interesseiro. Questões financeiras extremamente complicadas.

Gêmeos: A semana promete momentos de tensão e irritação pelo fato de Saturno não deixar Plutão, aquele safado, entrar em seus anéis. Mantenha-se calmo. Se um assessor de imprensa lhe enviar um e-mail com um release tosco, respire fundo e nada de reencaminhar a mensagem a todos seus amigos da redação colocando “vejam que merda” no campo assunto. Questões financeiras complicadas.

Câncer: Cenário astral positivo lhe dará a oportunidade de excelentes ganhos financeiros. Você terá um aumento salarial de 50% esta semana. Já está chorando de emoção? É brincadeirinha. Pegadinha do Mallandro! Não vai rolar aumento algum. Isso é para você deixar de acreditar em tudo o que lê e ouve, principalmente horóscopos. A única verdade: questões financeiras complicadas.

Leão: Momento propício para o amor. Se você é casado, dê mais atenção à sua mulher ou será trocado pelo personal trainer. Chegue mais cedo em casa nos próximos dias. Se você é casado, mas não liga para essa bobagem de fidelidade, invista na repórter coroa separada do suplemento agrícola ou no fotógrafo galinha, mas seja rápido, porque os arianos que leram o horóscopo antes de você já estão na área. Questões financeiras complicadas.

Virgem: Saúde delicada nos próximos dias. Não descuide do estômago. Em vez de comer a tradicional lingüiça calabresa superapimentada no bar, opte por uma lingüiça com menos pimenta. Se ainda assim tiver uma diarréia, evite o banheiro da redação para não manchar ainda mais sua imagem. Vá cagar bem longe, lá na gráfica, se possível. Questões financeiras complicadas.

Libra: A semana é de grandes decisões profissionais, ou seja, você está ferrado. E nada de consultar as cartas de Mãe Alzira, ok? É você quem deve definir os rumos de sua vida. Você terá de optar entre um emprego com carteira assinada e salário menor ou um trabalho com salário maior no sistema PJ. Nem mesmo a Lua, que é toda sabida e entrará em Vênus, gostaria de estar em seu lugar. Boa sorte, vacilão. Questões financeiras complicadas.

Escorpião: O momento astrológico é ideal para você praticar o bem e viver em harmonia com a natureza e demais seres vivos. Você poderá reconciliar-se com seu editor, tratar com mais respeito o estagiário e até parar de destruir aquela planta que fica no canto da redação. Mas, conhecendo bem você, sei que não fará nada disso. E pior: é até capaz de mandar os astros para o inferno. Questões financeiras complicadas.

Sagitário: Lua em conjunção com Júpiter indica semana bastante tranqüila, incomum numa redação. Ideal para falar mal da vida alheia no café e gastar horas no Twitter e Facebook. Mas, atenção, há risco de muitas pautas roubadas no final da semana, afinal seu editor, em oposição astral à sua felicidade, não vai tolerar tanta vagabundagem. Questões financeiras complicadas.

Capricórnio: Aquele boato que você ouviu nos corredores da redação de que haverá uma demissão em massa no jornal foi oficialmente confirmado por Urano, que por sua conjunção com a chefia e com o pessoal do sindicato, é muito bem-informado. E o pior: você está entre os demitidos. Fase fértil para a atualização do currículo. Questões financeiras complicadas por longo tempo.

Aquário: Sabe todas aquelas idéias grandiosas que você tem há muito tempo com o nobre intuito de mudar o mundo e tornar a existência na Terra melhor e mais digna? Pois bem, você terá de sentar e esperar pacientemente por mais um longo tempo, porque o cenário astrológico está totalmente desfavorável a grandes transformações. Se você não tiver paciência, paciência. Questões financeiras complicadas

Peixes: Sol no quarto bangalô indica período ideal para relaxar naquela pousadinha gostosa na praia, mas, como você é um jornalista astrologicamente azarado, não terá folga nos próximos dias. E, mesmo que tivesse folga, também não teria grana para ficar numa pousada que tem bangalôs. Questões financeiras eternamente complicadas.

Leia também: "O jornalista de cada signo"


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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Divã


Pode parecer maluquice minha, doutor, ou melhor, é maluquice, sim, caso contrário eu não estaria aqui. Se não fossem as maluquices, aliás, imagino que nem o senhor estaria aqui. Como eu posso descrever o meu problema? Bem, eu não consigo folgar. Isso mesmo, eu não consigo aproveitar um dia de folga. Tenho um bloqueio, entro em pânico, sabe? Eu sou jornalista e um ser humano que é jornalista trabalha muito, quase não tem fim de semana, feriados, não viaja com os amigos, não comemora aniversário de ninguém. Até aí tudo muito normal. Acho que o meu trauma começou num dia específico. Eu estava trabalhando havia uns 40 dias sem folga quando o meu editor chegou para mim quase no fim da noite e disse: “Amanhã, você terá um dia de descanso. Sortudo, hein?”. Esse amanhã era uma quinta-feira. Foi uma coisa, assim, tão repentina que eu fiquei assustado, meio paralisado. Como aproveitar uma quinta-feira de folga quando se sabe disso numa quarta-feira às 11 horas da noite? Alguém estaria disposto a ir comigo a uma sessão de cinema às 2 da tarde de uma quinta-feira? Claro que não, porque nesse dia estão todos trabalhando. Você não tem companhia para fazer programa algum! Eu liguei para a assistência técnica para consertar a minha lavadora de roupas e sabe o que a menina me respondeu? “Nosso prazo para poder estar agendando uma visita é de 48 horas, senhor”. Mas na sexta-feira eu já voltei ao trabalho. Nem comer pastel na feira eu consegui, porque a feira no meu bairro é de quarta e sábado. Como meu carro estava quebrado e eu estava sem tempo de ir a um mecânico – que levaria umas 72 horas para "estar resolvendo" o problema –, não pude sequer sair pela cidade em busca de uma feira. Doutor, desde esse fatídico dia, minha vida mudou. Morro de medo de receber uma folga inesperada na véspera, sem a chance de me programar, de aproveitar o dia livre. Eu não consigo mais relaxar quando não estou trabalhando, mesmo quando o descanso é aos sábados ou domingos. O senhor acha isso normal? Claro que não! Doutor, o meu caso é grave? Me diga, por favor, o meu caso é grave? Doutor, o senhor não está dormindo, está? Doutor? Doutor?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Papo de jornalista


Saíram do bar. Ela ofereceu uma carona até o apartamento dele. Ele a convidou para subir. Ela aceitou. Amanda, que era uma decoradora iniciante, entrou no apê de Fernando naturalmente observando cada detalhe do local. Foi uma inspeção rápida, porque lá não havia muitos detalhes. Era um apê simples, apê de jornalista. Na sala, o que mais chamou a atenção de Amanda não foi o monte de livros e CDs, mas um pôster gigante na parede, atrás do sofá: um cartaz do filme O Bem-dotado Homem de Itu.

- Sou o maior fã do Nuno Leal Maia, sabia?, disse Fernando. Grande ator.

Amanda sorriu.

- Aprovou a sala do meu apê?

- Adorei a sala do seu apê.

- Sério?

- Sério.

- E os meus amigos lá no bar?

- Também gostei dos seus amigos.

- Não achou o papo chato? Dizem que jornalista tem papo chato.

- Eu já namorei um neurocirurgião. Você nem imagina como é o papo dos neurocirurgiões.

- Chato?

- Muito técnico, muito sem graça.

Agora foi a vez de ele sorrir.

- Fê, admito que seus amigos são meio malucos, meio esquisitos, mas eu adorei a galera. A conversa de vocês tem empolgação, tem tesão, tem discordância. Ninguém se entende, mas todo mundo se entende. Vocês falam de problemas da redação, sim, reclamam muito, mas também falam sobre todo o resto, sobre a credibilidade das pesquisas eleitorais, sobre futebol, sobre cinema, sobre música, falam mal das pessoas das mesas ao lado.

- É o poder do álcool!

- De miseráveis, como vocês tanto falam, vocês não têm nada. Miserável era a minha vida até alguns meses atrás.

- Que bom ouvir isso de você. Não é todo mundo que gosta de papo de jornalista. Tô aliviado. E meus amigos, com certeza, também adoraram você.

- Para falar a verdade, Fê, eu só não curti muito a Camila. Ela não tirava os olhos de você, sei não...

Ele riu.

- Relaxa! A Camila é a namorada da Érica, que não pôde ir, porque tinha fechamento. Elas têm um relacionamento supersério. Tão até pensando em adotar uma criança...

- Como eu sou bobinha, né?

(Segundos de silêncio)

- Mudando de assunto, agora você precisa conhecer o meu quarto. Preciso saber se você também vai aprovar o meu quarto.

- Não tem outro pôster do Nuno Leal Maia, tem?

- Nuno Leal Maia? Meu quarto tem coisa bem melhor.

- Sério?

- Seriíssimo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tempos de bullying


Quando menos espera, o jornalista é chamado de “cagão” pelo técnico da Seleção Brasileira de futebol numa coletiva de imprensa em plena Copa do Mundo. Ele vira assunto em todos os cantos, passa a ser ridicularizado, a piada da vez. Enquanto autoridades ficam preocupadas apenas com o bullying nas escolas, simplesmente ignoram a existência do bullying contra jornalistas, uma prática triste que cresceu nos últimos tempos.

Eu mesmo, que sempre me entreguei com entusiasmo aos plantões na redação – e me dei mal por tamanha dedicação –, escuto até hoje expressões do tipo “e aí, cornão, tudo beleza?”, proferidas pelo porteiro do meu prédio e, inclusive, por alguns jornalistas que se dizem meus amigos. Muitas vezes, a ofensa ocorre na frente do Nestor. Já imaginaram o estrago psicológico disso tudo para o pobre cão e para o pobre dono?

Há quem diga que chamar um jornalista de “pobre miserável”, por exemplo, é pleonasmo e não bullying. Somos pobres, sim, mas o pessoal também não precisa tripudiar.

A nova enquete do blog quer saber qual o termo pejorativo mais ofendeu ou ofenderia você, meu caro amigo jornalista. Cagão? Corno? Miserável? Jornaleiro? Jabazeiro? Embora muitos colegas tenham vergonha de tornar pública uma ofensa, se você já foi vítima de bullying, conte sua história! É a melhor forma de combatê-lo. Ou não, como diria Caetano.

A enquete que chegou ao fim – O que você faz se rola uma pauta inesperada na hora de ir embora? – teve como vencedora a alternativa “Toca um ‘foda-se’ e enfrenta a situação sem medo”, com 36% dos votos. O resultado, porém, é controverso, afinal todas as demais opções, que indicavam algum tipo de fuga da pauta inesperada, tiveram, juntas, uma votação expressiva. Destaque para “Diz a um colega desavisado: ‘O chefe chamou por você’”. Ou seja, na hora em que o bicho pega, jogar o colega na fogueira ainda é uma boa estratégia.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Manual de adaptação para um jornalista velho


Você ficou um longo tempo afastado do mercado de trabalho e, agora, com 50 e muitos anos e hábitos jurássicos, resolveu voltar a uma redação jovem e diferente. Sobreviverá? Sucumbirá? O blog apresenta aqui dicas essenciais para você, jornalista velho.


Não banque o saudosista. Você corre o risco de ser visto como “o chato”. Nostalgia funciona bem num especial de fim de ano do Roberto Carlos, mas não no dia a dia de uma redação jovem. Nada de ficar repetindo que antigamente tudo era melhor, que era gostoso ouvir o barulho das máquinas de escrever, que se podia fumar tranquilamente enquanto se trabalhava, que se tinha mais tesão pela profissão. Valorize o presente com frases como “Irado este iPad!” ou “Que bom trabalhar 15 horas sem parar!”.

Atualize-se quanto aos termos jornalísticos. Copydesk é coisa do passado. Hoje, os jornalistas recorrem ao corretor ortográfico do Word. Se você não quiser ser chamado de repórter das cavernas, não ouse mencionar palavras do tipo paste-up, paica, calhau e drops. Os jovens vão pensar: “Que merda esse tiozinho tá falando?”. Aprenda termos do século 21, como jornalismo colaborativo e convergência de mídias. Seja um coroa antenado.

Renove seu jeito de vestir. Nada de usar camisa social de mangas curtas, calça tradicional e sem charme acima do umbigo ou aquela blusa de malha comprada há umas duas décadas em Jacutinga. Pochete na cintura, então, está proibidíssima. Compre roupas descoladas. Mas atenção: sem exagero. Se você ainda cultiva um barrigão de chope, evite usar aquelas camisetas justíssimas encontradas na Mundo Mix ou na Benedito Calixto.

O calor humano do passado e as brincadeiras são cada vez mais raras. Os jornalistas andam muito estressadinhos e individualistas. Preferem se isolar na baia de trabalho, sua pequena redação particular. Vivemos a ditadura do fone de ouvido. Nem pense em perguntar algo ou fazer uma piadinha com o seu colega ao lado quando ele estiver entretido com seu fone. Ele não vai te ouvir. Se tiver urgência, é mais fácil mandar uma mensagem instantânea.

Saiba que passar muito tempo dentro de uma redação, fazendo entrevistas por telefone e cozinhando releases, é a nova realidade. Não fique deprimido se não puder sair todos os dias para reportagens in loco. O antigo hábito de fazer uma parada estratégica no bar durante a pauta na rua, para uma cachacinha e uma partida de sinuca com o motorista do carro de reportagem, também não existe mais. Aprenda a jogar paciência no computador do jornal, embora seja muito difícil você ter um tempo ocioso para isso.

Seja politicamente correto. Vivemos hoje, inclusive nas redações, a era do politicamente correto! Ou seja, sufoque aquela vontade louca de dar uma cantada na estagiária gostosa. Sabia que só cantar – nem sonhe com sexo selvagem! – já pode ser considerado assédio sexual? Nem pense também em fazer piadinhas com os gays da redação, hein? Respeite as minorias. Hoje, é até bem provável que existam mais gays do que heterossexuais a seu lado.

Procure fazer parte das redes sociais. Isso é muito importante para ser aceito pelos jovens jornalistas da redação. Que tal criar uma conta no Facebook e no Twitter? Faça parte de comunidades virtuais como “Jornalismo 4.0” ou “Adoro ler notícias em portais”. Nada de “Eu amo minha máquina de escrever”, ok? Destaque preferências pessoais como “música eletrônica” e “livros sobre vampiros”. Assim como fazem os jovens, divulgar algumas fotos é uma boa ideia, mas, cuidado, nada de fotos em frente ao espelho, em poses sensuais.


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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O post do desassossego


O jornalista desassossega-se com grana. Tem dias em que acorda e pensa: “Puta merda, ainda não fiz aquele plano de previdência privada que eu planejei há anos! Assim, eu vou acabar passando a minha velhice no retiro dos jornalistas”. Faz contas, pergunta-se, pela enésima vez, se é melhor um PGBL ou um VGBL. Só sossega um pouco quando trabalha com o cenário de não conseguir chegar à velhice, o que é bem provável, considerado o ritmo maluco de vida. O jornalista desassossegado batalha frilas o tempo todo, já que o salário – quando tem – é insuficiente. Passa as madrugadas acordado, escrevendo, enchendo a cara de café e pensando nos prazos finais.

O jornalista desassossega-se com o que pode ocorrer no dia de seu plantão. Pede a Deus – esquece até que é ateu – que nenhuma desgraça extraordinária aconteça no mundo no período em que ele vive seu cárcere na redação. Já pensou se o Pelé resolve morrer logo num sábado à noite? O jornalista desassossegado vive o mesmo drama quando está deixando o jornal em um dia normal de trabalho. Para evitar uma pauta de última hora, adota a saída à francesa, na ponta dos pés, escondendo a bolsa sob o casaco e olhando discretamente para os lados.

O jornalista desassossega-se com seus projetos profissionais. Será que é isso mesmo que eu quero para o resto da minha carreira? Será que não é hora de largar esse mundo podre da política que eu cubro há tanto tempo para me dedicar ao jornalismo cultural que eu sempre amei? Será que não é o momento de recomeçar, do zero? Será que não é o caso de vender o carro e passar um ano fora do Brasil, conhecer gente nova, idéias novas? Será que, mesmo velho, eu ainda vou levar um curso de Inglês a sério?

O jornalista desassossega-se com tudo que está acontecendo no planeta. Precisa saber sobre os últimos escândalos políticos, as últimas catástrofes naturais. Precisa formar opinião sobre tudo, sobre o casamento gay, sobre as novas mídias, sobre a necessidade de ter opinião sobre tudo. Muitos jornalistas tomam café da manhã na padaria com as páginas do jornal abertas. O jornalista desassossegado não pode passar vexame na reunião de pauta e, pior, não pode ficar sem assunto na mesa do bar.

Como eu gosto deste desassossego.