quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O fanático jornalista esportivo


Pedro Augusto, antigo colega da imprensa esportiva, é um daqueles sujeitos que só sabem falar de um assunto: futebol. O dia inteiro, em qualquer lugar. Na infância, acompanhava jogos pelo rádio - era fã dos grandes locutores - e ia sempre ao estádio com o pai. Adorava jogar futebol de botão e conseguiu completar o álbum da Ping Pong da Copa de 82. Até hoje, gaba-se de ter sido o único garoto da escola a ter a figurinha do craque polonês Boniek.

Na adolescência, os colegas diziam que, quando ia ao banheiro, preferia carregar uma revista Placar a uma Playboy. Sempre sonhou ser um jornalista de Esportes. Tornou-se um estudioso da área. Foi o primeiro cara que conheci que assistia aos jogos do Campeonato Holandês. Está por dentro de todas as regras, analisa esquemas táticos, organiza estatísticas de competições pelo Brasil, do Sul até o Acre. E o pior: adora ficar demonstrando todo o seu conhecimento. "Vocês sabiam que quem marcou o primeiro gol do Brasil em Copas do Mundo foi o Preguinho, em 1930?" Chato pra caralho!

O futebol para o Pedro Augusto não é apenas o seu trabalho. É a sua vida. Num plantão de domingo, após fazer a matéria de uma partida no estádio e voltar para a redação para ver os gols da rodada com os amigos, chegou em casa e foi assistir ao VT de Vasco x Fluminense, um zero a zero de dar medo. Não sei como a mulher do Pedro o agüenta. Aliás, não sei como ele consegue conciliar tanto fanatismo pelo futebol com seu casamento. Eu, por muito menos, fui trocado por um office-boy.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Procura-se um personagem desesperadamente


Depois de encontrar dinheiro para pagar o aluguel em dia, uma das maiores dificuldades enfrentadas por um jornalista é encontrar bons personagens para ilustrar uma matéria. Se falta a pessoa certa para dar o tempero para a história, o texto fica desinteressante. Uma matéria sem bons personagens é como uma mulher divorciada sem um bom advogado.

Uma prática comum para encontrar bons personagens é o famoso e-mail para a lista de amigos. “Caros, vocês conhecem alguém que tenha alguma coleção exótica, tipo VHS pornô ou animais peçonhentos empalhados?” O e-mail, às vezes, tem um tom de suplício. “Preciso de alguém que já tenha tentado o suicídio! Me ajudem, pelo amor de Deus, tô fechando a matéria. Se não encontrar alguém bacana, acho que eu corto os meus pulsos.”

O melhor dos mundos é quando o jornalista já conhece o personagem. Basta pegar o telefone e ligar para tal pessoa. Ainda assim, em algumas situações, a tarefa pode ser árdua.

Produtor de TV: Paulo, tudo bem, meu amigo? É o Sérgio.

Potencial personagem (PP): E aí, Sergião, o que manda?

Produtor de TV: Cara, é o seguinte: tô desesperado atrás de um personagem para uma matéria e eu preciso de um depoimento urgente seu!

PP: Sobre?

Produtor de TV: Sobre homens que têm casamentos heterossexuais, mas que já mantiveram um caso extraconjugal homossexual.

PP: Porra, cara, e você quer que eu exponha isso na televisão?

Produtor de TV: Você é a única pessoa que eu conheço que já passou por essa situação.

PP: Mas a minha mulher nunca soube! Quer acabar com o meu casamento?

Produtor de TV: Cara, você não precisa se identificar. A gente muda o seu nome, coloca você sentado de ladinho, na penumbra, altera a sua voz.

PP: Sergião, você é meu amigo, mas não vai rolar.

Produtor de TV: Caralho, vai me deixar na mão? Quando você pedia o meu apartamento emprestado para encontrar o seu namoradinho, eu nunca te neguei! Lembra disso?

Pausa para reflexão...

PP: Tá bom, tá bom, eu falo. Não precisava pegar tão pesado!

Produtor de TV: Só me diga o local da entrevista que o repórter voa para lá.

PP: Pode ser no parque.

Produtor de TV: Grande garoto!

PP: Ah, e vê se não esquece de colocar aquela voz de pato em mim, hein?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Os mais insuportáveis


A nova enquete deste blog quer saber qual a figura mais insuportável do jornalismo brasileiro, pelas razões mais diversas. Trata-se daquele jornalista que te faz virar a página do jornal ou da revista com maior rapidez ou mudar de canal imediatamente.

Você só “suporta” ler ou ouvir um jornalista insuportável quando está a fim de ficar um pouco indignado, num clássico caso de autopunição premeditada. A lista de candidatos poderia ser, naturalmente, mais longa, mas decidi pegar os tipos mais representativos da categoria.

A pesquisa que acabou de ser encerrada – Qual a saia-justa mais cruel para um apresentador de telejornal? – teve vitória tranqüila da alternativa “Sofrer uma crise de tosse ou de riso no meio do programa”, com 59% dos votos. Nesta opção ainda poderia ser incluído o mico de comer bolacha no ar, ao vivo. Na TV Globo, isso costuma dar demissão.

Em tempo: na próxima segunda-feira, estará no ar o 100º post deste blog. Nunca imaginei que chegaria tão longe. Mas cheguei. Agora, mais valente, já começo a acreditar que posso alcançar o milésimo post, assim como Pelé alcançou o milésimo gol e o José Mayer alcançou a milésima mulher a pegar numa novela.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Curso rápido de jornalismo para idiotas


“Diploma não é necessário. Para trabalhar como Jornalista, faça um curso rápido”. É dessa maneira que a empresa Cursos 24 Horas anuncia treinamento para pessoas interessadas em trabalhar com jornalismo na Internet. Com custo de R$ 40 e duração de 45 horas, o curso promete formar “um Cyber Repórter de sucesso”.

O texto acima é a abertura de uma matéria do Comunique-se, publicada dias atrás e assinada por Sérgio Matsuura. Como sou um sujeito curioso, resolvi buscar mais detalhes do curso na página da empresa na web e me deparei com os tópicos principais das aulas (que são mais de 20). Há um pouco de tudo, desde “Criando uma Agenda de Fontes” a “Ganhando dinheiro no ramo de Jornalismo On-Line”. Os pré-requisitos para o curso: NENHUM. Acho que até o Nestor poderia fazer a sua matrícula.

Sempre acreditei que um curso de quatro anos é muito tempo para estudar jornalismo. Eu, por exemplo, passei metade do meu curso no boteco ou tentando comer as gostosas que estudavam Publicidade. Mas um curso de 45 horas também é uma piada. E de mau gosto. Daqui a pouco, vai ter escola divulgando o método Sleeping Learning. Aprenda jornalismo dormindo! Será que dá para sonhar com um lead perfeito ou um texto redondinho?

Outro aspecto pitoresco desta história do curso em 45 horas é a capacidade do brasileiro de se adaptar às novas regras para ganhar dinheiro fácil. É tudo uma questão de oportunidade. Não duvido que vai ter um monte de mané pagando quarenta paus para se tornar um “cyber repórter de sucesso”. E a empresa vai se dar bem. Por que eu nunca tenho essas sacadas geniais de negócio? Definitivamente, não sei ganhar dinheiro. Ou seja, sou um autêntico jornalista!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O velório


Apesar da vida desregrada, Almeida teve uma morte banal, atropelado por uma bicicleta. Repousava, agora, num caixão, enquanto poucos conhecidos chegavam para o velório. Deitado na mesma posição havia horas, sem se mexer, já sentia dores nas costas. Aquele algodão no nariz também o incomodava. De olhos fechados, não via ninguém, mas podia escutar tudo ao seu redor. Reconheceu a voz de alguns colegas de redação.

- Era um excelente jornalista, mas sempre se achou o único repórter capaz de fazer a cobertura policial, afirmou Carlão.

- Como se gabava ao dizer que era amigo de delegados, que tinha entrevistado os criminosos mais perigosos, emendou Jurandir.

- Contava que recebia ameaças de morte só para ter privilégios do jornal, completou Pedrosa.

Almeida ficou pálido, mais do que já estava. Então era essa a imagem que os colegas tinham dele? Para falar mal, que ficassem em casa. Ou no jornal, com suas pautas ordinárias. Tinham, sim, inveja de seu faro apurado, de suas fontes secretas, dos inúmeros furos, do sucesso com as mulheres.

- Era um conquistador barato, lembrou Ritinha. Diziam que, quando bebia então, não dava no couro.

Aí já era demais. Não respeitavam nem um defunto. Por que tanto rancor? Cansado, Almeida desejava virar para o lado e colocar um algodão também nos ouvidos, antes que chegassem ao velório seu chefe e sua ex-mulher. Nessas horas, o melhor a fazer é descansar em paz.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Engarrafados


São oito horas. Em meu carro popular, sem ar-condicionado, sou mais uma vítima anônima dos engarrafamentos de São Paulo. É dia de chuva e de um frila que não posso perder. Ligo o rádio e sintonizo aquela famosa emissora especializada em trânsito. Já são mais de 100 quilômetros de lentidão na cidade. Que merda, penso. Vou chegar atrasado. Se chegar, é claro.

A rádio, embora preste um importante serviço jornalístico, me deixa deprimido toda vez que a escuto. É só desgraça. Caminhão quebrado na Bandeirantes, pontos de alagamento nas Marginais, acidente com curiosos na zona leste, algum protesto bloqueando a Paulista. Os ouvintes também participam, por gravações de voz ou torpedos. Competem para saber quem tem a pior história para contar. Isso que é jornalismo colaborativo.

Os repórteres da rádio dão dicas de rotas alternativas, mas nem sempre é possível escapar do caos. O negócio é ter paciência, uma virtude que desconheço. Nessas horas, não sei o que é pior: ouvir aquelas buzinas insuportáveis dos motoboys ou respirar o escapamento dos caminhões. Eu também detesto a sensação de ser observado pelos motoristas ao lado. Não se pode mais falar sozinho em voz alta ou retirar uma catota do nariz em paz.

O tempo passa, e minha ansiedade aumenta. Por que não fui de transporte público? Seria melhor? Olho o relógio e o marcador da temperatura de meu carro, que começa a subir. Só falta meu velho companheiro me deixar na mão agora! O apresentador da rádio tenta amenizar o sofrimento dos ouvintes com seu bom humor e curiosidades da metrópole.

– Vocês sabem por que o complexo do Cebolão, na ligação dos rios Tietê e Pinheiros, leva este nome? Porque suas várias pontes, umas sobre as outras, são como camadas de uma cebola.

Desligo o rádio. O que me resta é rezar. Do meu carro popular, sem ar-condicionado, surge uma fumaça estranha. Um cheirinho de churrasco. Acho que terei de atrasar o aluguel do meu apê de novo. Culpa do trânsito!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O sanatório – parte 2


Meu amigo foi um jornalista brilhante, texto impecável, faro apurado, mas tinha um grande defeito. Sempre achava que os outros jornalistas queriam roubar as suas pautas. Na redação, vivia debruçado sobre o computador para que ninguém descobrisse o que estava escrevendo. Recusava-se também a assinar matérias com os outros colegas. Era soberano em suas reportagens e textos. Essa era sua esquisitice.

Começou a ficar com fama ruim na redação, mas não deixou de ser um grande jornalista e nem perdeu o meu respeito. E, agora, após muito tempo sem notícias suas, soube que estava no sanatório. O enfermeiro me contou que ele era um dos pacientes mais agitados e, por esta razão, era sedado vez ou outra. Nosso reencontro foi emocionante, ele chorou muito quando me viu.

- Fiquei sabendo que você é o agitador do pedaço, brinquei. Continua fazendo muita bagunça, como nos velhos tempos?

- Duda, estou com um problema sério aqui.

- Problema sério?

- Tenho um plano de fuga sensacional, arquitetado há meses. Coisa de profissional, sabe? Mas os outros internos querem roubar minha idéia. É muito triste isso.

Meu amigo tinha razão. O lugar era muito triste. Mas também era fascinante. Aquela gente toda, aquelas neuroses, tudo era muito familiar para mim.

Ficou tarde e fui obrigado a dormir no sanatório. Partiria bem cedo no dia seguinte. À noite, tive uma longa conversa com o enfermeiro, que me deu detalhes sobre as demências mais comuns dos jornalistas. Era impressionante como ele conhecia o nosso mundo! Contei a ele sobre a minha carreira, sobre minha vida e tudo mais, e ele me ouviu com paciência. Antes de ir para cama, o enfermeiro me desejou bons sonhos e despediu-se.

- Quem sabe o doutor ainda não volta pra cá no futuro para passar mais tempo com a gente?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O sanatório – parte 1


Quando soube que um velho amigo estava em um sanatório numa cidade do interior, em uma ala específica para jornalistas, decidi visitá-lo. Sim, havia uma ala específica para jornalistas. A viagem de trem, que subiu uma serra para chegar à clínica, foi lenta. O sanatório ficava nas montanhas, perdido no meio do nada. E era triste, como não poderia deixar de ser. Meu amigo dormia e tive a permissão para esperá-lo no pátio, onde outros jornalistas loucos estavam, tomando um resto de sol, caminhando, falando sozinho.

Notei um homem de barba e cabelos longos sentado no chão. Embora devesse receber cuidados, estava em um estado deplorável. Lembrava um mendigo. Pegava sujeira dos cabelos e colocava na boca. Me olhava de um jeito agressivo. Foi então que um outro maluco, com uma aparência até elegante, aproximou-se. Sorriu, sentou-se ao meu lado e puxou assunto. Logo de cara disse que não era louco, que não deveria estar ali.

- Fui um dos jornalistas mais premiados de minha geração, sabia? Ganhei prêmios Esso e outros mais. Pode perguntar a qualquer um aqui. Sou o mais respeitado dessa espelunca.

Meu amigo ainda dormia. Será que recebeu uma dose cavalar de sedativo? O premiado jornalista, que se apresentou como Ernesto, não parava de falar, de contar suas glórias, sua trajetória de sucesso. Um enfermeiro me chamou para entrar. Finalmente.

- Nossa, o Ernesto fala demais, brinquei com o enfermeiro. Me contou todos os seus prêmios, falou das cerimônias de entrega, dos discursos de agradecimento...

- O Ernesto nunca ganhou prêmio, doutor, respondeu o enfermeiro. Aqui, tem um monte de ex-jornalista que nunca ganhou nada, mas fala que ganhou. Eram obcecados por isso.

Ri, meio sem graça.

- O único que ganhou um Esso aqui foi aquele sentado no chão – e apontou para o louco com a aparência deplorável, o que parecia um mendigo. Foi um fotógrafo e tanto, mas a cocaína acabou com ele. Perdeu família, dinheiro, o juízo, e acabou aqui, abandonado.

Suspirei. E voltei o meu olhar novamente ao homem que comia sujeiras do cabelo.

- Vamos lá, doutor, prosseguiu o enfermeiro. Seu amigo já acordou.

Continua no próximo post...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ricardão, o mais temido pelos jornalistas


São vários os riscos a que um jornalista está exposto em seu árduo trabalho. E, de todos, o que mais assusta os nossos nobres colegas de profissão é o risco de levar um chifre enquanto se está em um interminável plantão. É o que mostrou o resultado da última enquete deste blog.

Com 38% dos votos, o Ricardão foi visto como a maior ameaça aos jornalistas, superando adversários temidos, como um terrorista árabe, um corintiano e um parlamentar picareta (desculpem-me pelo pleonasmo).

Eu sou testemunha do poder do Ricardão. Subestimei o sujeito e, quando menos esperava, lá estava ele com a minha mulher e meus chinelos novos. Porra, não podia ao menos ter pegado os chinelos velhos? Mas agora não adianta chorar. Atenção, meus caros! Eis uma informação útil a quem trabalha até tarde nas redações ou assessorias de imprensa. E informação é tudo hoje.

A próxima pesquisa, já no ar, quer saber qual a maior saia-justa que pode enfrentar um apresentador de telejornal. Um teleprompter que não funciona? Uma matéria que não entra? Um entrevistado chato que não pára de falar? Ou uma crise de riso durante o programa? Bons votos!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O barbeiro demoníaco da Rua Cruzeiro


Ao contrário de alguns jornalistas metrossexuais que conheço, assíduos freqüentadores de clínicas de estética, sou um cara conservador. Ainda não compreendi muito bem esse lance de vaidade masculina. Um amigo até fez um alerta: “Duda, hoje o cara passa um creme na cara; amanhã, começa a raspar a bunda; depois, já está trabalhando na editoria de Cultura de algum jornal”. Minha única frescura é ir, a cada dois meses, ao salão do João, antigo barbeiro do bairro.

No salão do João, na Rua Cruzeiro, espécie de “sebo” também, eu resgato a leitura de umas revistas Playboy bem antigas e fico sabendo de todas as fofocas da vizinhança. O barbeiro, mesmo sem diploma de jornalista, sempre dá seus furos. Por ele, descobri que a filha do dentista engravidou do mecânico da esquina. Que seu Vitório, o velhinho que aluga o apê para mim, é viciado em Viagra com Coca-Cola. João não poupa ninguém.

Barbeiro, assim como taxista e aposentado, também tem opinião para tudo. Analisa cenários, faz previsões. João é comentarista de política: “Duda, ouvi dizer que o Lula vai dar o golpe e tentar o terceiro mandato”. João é comentarista de Esportes: “Se o Dunga não convocar o Ronaldo para a Copa, a gente não passa das oitavas”. João é comentarista do mundo do entretenimento. “Tô dizendo que esse Michael Jackson não morreu. Deve estar escondido na mesma cabana do Belchior no Uruguai”.

Minha ex-mulher sempre pedia para eu mudar o corte de cabelo, para algo mais moderno, num “centro de estética bacana”, mas nunca abri mão do salão do João. Sentado em sua velha poltrona de couro, em frente a um espelho com rachaduras e uma pequena televisão pendurada no teto, tenho informação e diversão. Só lamentei o dia em que o desgraçado espalhou pelo bairro que minha ex havia me trocado por um office-boy saradão, com a metade de sua idade. Barbeiro filho-da-puta!