segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sombras e gargalhadas sádicas


Caminho por uma praça da Sé meio sombria.

- Uma esmola pro ceguinho, pelo amor de Deus. Pode dar dez centavos, senhor, cinco centavos, o que tiver. Deus vai lhe devolver em dobro.

Eu conheço essa voz. Sim, eu conheço. Chego mais perto e identifico o sujeito. O ceguinho é o Amaral, meu antigo colega de redação, o editor de Economia. Logo ele, um cara fino, de ações sempre nobres, elegantes.

- Amaral, desde quando você é cego, rapaz?

- Duda?! Ô, meu amigo, fala baixo, por favor.

Amaral me conta que, desde que o diploma para os jornalistas perdeu o seu valor, ele e vários outros velhos colegas perderam o emprego, perderam tudo. Ele poderia estar roubando, como me explica, mas preferia pedir ajuda pro ceguinho.

- Triste é o caso do Fonseca, o repórter de Turismo. Lembra dele, Duda? Sem diploma, caiu na marginalidade. Vivia aqui na praça assaltando aposentados até ser preso.

Fico chocado com a história do Fonseca. Depois, o Amaral me revela histórias ainda piores de outros amigos, que fazem de tudo para sobreviver num mundo sem diploma, gente vendendo DVD pirata nas ruas, vendendo o corpo, a alma.

Minha cabeça começa a girar e, de repente, não estou mais naquela praça triste. Estou agora num grande campo aberto, um gramado imenso e bonito. Vejo os ministros do STF felizes. Eles pulam, riem, viram cambalhotas, como crianças ou loucos de um sanatório. Gilmar Mendes saltita de mãos dadas com o Daniel Dantas. De repente, quem aparece? O office-boy que roubou a minha mulher! Sádico e cheio de soberba, ele gargalha e me mostra um diploma do curso de farramenteiro do Senai. “O meu vale, o seu, não; o meu vale, o seu, não.”

Acordo assustado, suado, cheio de tremedeiras.

- Filhos-da-puta!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Meu caro diploma


Vamos considerar, apenas para efeito de cálculo, que a mensalidade de um curso de jornalismo custe 800 reais. Em um ano, um estudante gastaria 8 mil reais (10 mensalidades). Em quatro anos, esta facada subiria para 32 mil, sem contar gastos com transporte, alimentação, livros e cachaça (mais uns 5 mil reais). Tudo isso para conquistar o precioso diploma.

É certo que, além do canudo, o aluno adquire conhecimentos para toda a vida. Eu, por exemplo, aprendi a jogar truco e nunca mais esqueci. Mas, cá entre nós, 37 mil reais por um pedaço de papel que não vale mais nada é coisa pra cacete. Então fica a pergunta: o que você teria feito com a grana investida no diploma? A nova enquete está no ar. Custa nada participar!

A pesquisa que acabou de ser encerrada – Você acha que um jabá pode corromper um jornalista? – teve como grande vitoriosa a alternativa “Não. Acredito na ética, apesar de ganhar um salário de merda”, com 41% dos votos. Isso não significa, porém, que estes jornalistas cheios de nobres intenções recusem o presentinho. Apenas não deixarão que o mimo influencie no texto final, quer dizer, acho que não deixarão, sei lá, mil coisas...

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Pobre, mas limpinho



Dias desses o frio me convidou a pegar uns DVDs na velha locadora de bairro. Como eu sempre fujo da estante dos lançamentos, mais caros, decidi rever La Dolce Vita, de Fellini, um filme que, há 50 anos, já discutia uma questão bastante atual: o deslumbramento de muitos jornalistas. Marcello Rubini, o protagonista, é o repórter fascinado pelo mundo dos famosos, apaixonado por uma atriz hollywoodiana, pelas festas fúteis da aristocracia romana.

Meio século depois, é possível encontrar Marcellos aos montes por aí. Como tem jornalista que adora bajular uma atriz famosa ou uma estrela do futebol. Parece que, por um momento, deixam toda a sua insignificância de lado e se tornam importantes. A Via Veneto de Fellini, cheia de celebridades, são hoje as boates badaladas de Rio e São Paulo, o Projac, a porta das igrejas em dia de casamento de gente distinta como o Roberto Justus.

Ser amigo de um famoso pode garantir aos jornalistas algumas facilidades, como entrar em uma festa reservada a poucos ou o acesso a um camarote vip. Já vi repórter esportivo se aproveitar de um suposto bom relacionamento com um jogador de futebol para pedir dinheiro emprestado. Ou para ir a baladas com os boleiros só para impressionar as marias-chuteiras.

Sou um jornalista miserável, sim, do que tipo que aluga DVDs de catálogo, mas mantenho a minha dignidade intacta. Isso significa dizer que jamais precisarei elogiar o “corpinho” da Susana Vieira só para ficar amigo de tal senhora. Deus me livre um dia ser amigo de tal senhora. Sou pobre, mas sou limpinho.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Domingo eu quero ver o domingo acabar


9:27: Acordo e noto que a mulher que dormiu comigo (como se chamava mesmo?) não está mais em meu apê. Checo se não tive os rins subtraídos de meu corpo. Tudo normal. Alívio.

9:30: Vejo a foto do Nestor no porta-retratos ao lado de minha cama. Era o meu fim de semana com ele, mas a ex viajou e levou o pobrezinho junto. O juiz saberá disso.

10:15: Café da manhã na padoca. O pedido de sempre: pão na chapa e um pingado.

10:53: Compro jornais do dia na banca e sigo de volta ao meu apê.

11:15: Deitado no sofá, descubro novos atos secretos, novas fraudes e novas picaretagens em geral no Senado: e eu fazendo mau juízo do Irã.

12:00: Um amigo me telefona, conversamos um monte de besteira. Ele me lembra que a Telefônica está proibida de vender o Speedy. Morremos de rir.

13:30: Esquento, no microondas, um resto de lasanha perdido na geladeira há uns três ou quatro dias. Rezo para que o rango não me faça mal.

14:00: Queria ir ao cinema, gastando pouco naturalmente (algo como um ciclo de filmes poloneses a R$ 2 o ingresso), mas estou indisposto. Decido ficar em casa. Procuro um sal de fruta Eno.

15:10: Corro ao banheiro desesperadamente. Lasanha maldita.

15:12: Sentado no trono, jogo sudoku em meu celular, para aliviar a tensão.

15:30: Bem, amigos da Rede Globo! Me preparo para assistir a Brasil versus Itália em todas as suas emoções, grande clássico do futebol mundial.

15:40: Zzzzzzzzzzzzzzzzz...

18:00: Acordo assustado. Perdi o jogo. O Brasil já não me empolga mais. Caraca, como a camisa do Faustão é feia!

18:12: Corro para o banheiro. Nunca mais como resto de lasanha perdido há uns três ou quatro dias na geladeira.

18:14: Sentado no trono, lembro o nome da mulher que poderia ter roubado os meus rins: Rita, dona de uma loja de roupas íntimas num shopping. Ou será que ela era vendedora?

19:00: Vejo o meu diploma de jornalista pendurado na parede do quarto: descanse em paz, meu amigo.

19:15: Tomo três comprimidos de Floratil 200 de uma única vez para tentar salvar minha noite. Reboco até a alma.

20:25: Não estou com saco de ler livros hoje. Checo os e-mails.

21:30: Vejo o reality show A Fazenda: quem é Theo Becker?

22:00: Desligo a TV e fico ouvindo música, de bobeira. Faço um monte de reflexões e decido que preciso me alimentar melhor. Vou começar a cozinhar, afinal jornalistas devem saber cozinhar. Tomo um banho.

23:56: Deitado em minha cama, tento dormir, mas não consigo. Lembrei: Rita, a que não roubou os meus rins, é a vendedora de Herba Life. Quem é a mulher do shopping mesmo?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Diploma, ascensão e queda


Ontem fui dormir meio angustiado. O que farei com o meu pobre diploma de jornalista? Será que devo usá-lo para forrar e proteger o chão das mijadas noturnas do Nestor? Será que devo juntá-lo aos diplomas de alguns amigos, plastificar tudo e formar um incrível jogo americano para refeições rápidas? Será que devo fazer um aviãozinho de papel, como fazia o Silvio Santos com dinheiro, e jogá-lo pela janela do meu apê? Será que devo devolvê-lo à faculdade e pedir reembolso? Será que devo guardá-lo em meu banheiro para o dia em que faltar papel higiênico? Ou será que devo apenas sepultá-lo em um lixo qualquer?

A única certeza que tenho é que, a partir de hoje, serei cozinheiro profissional, inspirado nas sábias palavras do Gilmar Mendes. Sem diploma, é claro. Aliás, alguém pode me ensinar aquela técnica de cortar legumes de uma forma bem rapidinha?

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A minha retrospectiva


Quando eu ainda era uma criança inocente, sem pêlos no saco, descobri minha paixão pelo jornalismo. Eu adorava acompanhar, entre o Natal e o réveillon, o noticiário da TV com o resumão dos acontecimentos do ano. Achava aquilo o máximo. Enquanto meus coleguinhas de escola sonhavam ser astronautas, pilotos de Fórmula 1 ou galãs de cinema, eu queria ser apresentador de retrospectiva. Meus pais não entendiam muito bem a minha escolha. "Pô, Dudinha, apresentador de retrospectiva?”

Era o despertar de um jornalista. Ao longo do ano, eu guardava jornais e revistas com informações sobre o Brasil e o mundo – nessa época, não havia descoberto ainda a Playboy, a Ele&Ela e as preciosidades suecas. Lia tudo o que podia, selecionava os fatos mais importantes, definia a pauta do programa, editava os textos e redigia as laudas para leitura. Tudo isso muitos anos antes de aprender jornalismo na faculdade. Me preparava para o grande dia: a apresentação da minha retrospectiva, que podia ser feita em qualquer parte da casa, desde que existisse uma mesa para ser a bancada.

Eu usava o paletó de um terno emprestado de meu pai, gigante para mim. Na parte de baixo, apenas bermuda e chinelos, afinal era assim que diziam que trabalhavam os apresentadores de TV. Adotei óculos, para dar mais seriedade ao trabalho. Não havia câmeras na minha frente; apenas uma platéia, ao vivo, composta por parentes e alguns amigos da família. Gente que fazia o maior esforço para estar ali.

– Esse menino diz que seu sonho é ser jornalista. Isso é coisa de vagabundo! Ele não quer é estudar – murmurava uma tia solteirona, pelos cantos da casa.

Um dos meus maiores apoiadores era meu avô, que se dizia um visionário.

– Esse moleque ainda vai ser um jornalista famoso, trabalhar na Globo e comer toda a mulherada.

Como ele vibrava com o meu “boa noite” na abertura de cada edição do resumão de notícias, ano após ano. Para mim, aquele era também um momento mágico.

Aos poucos, a platéia e o meu desejo de apresentar retrospectivas foram diminuindo. Com o crescimento dos pêlos no saco, meus interesses de fim de ano mudaram. O programa acabou, mas mantive viva a paixão pelo jornalismo, com a esperança de um dia cumprir a profecia do vovô.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Em busca do feriado perdido


Hoje sou uma estatística. Sou, mais precisamente, um número e faço parte daquelas pesquisas mensais de desemprego do IBGE ou da Fundação Seade. Tornei-me um indicador econômico, assustadoramente feio, já que estamos em crise. É claro que ser uma estatística não é legal, ainda mais uma estatística ruim, mas tento pensar que tudo na vida tem um lado bom (com exceção do LP do Oswaldo Montenegro, segundo a velha piada). E o lado bom em questão é não ter de trabalhar nos feriadões.

Ah, quantos Natais eu já passei numa redação. Quantos plantões de carnaval. Tem quem goste, é claro, mas eu odiei cobrir certa vez o desfile no sambódromo. Era um foca, louco para estar na praia com os amigos, mas tive de ficar na avenida, entrevistando populares ensandecidos, aquele barulho desgraçado, um cheiro insuportável de mijo na dispersão. Trabalhar no carnaval é um porre. E eu que, quando criança, sonhava em cobrir, algum dia, o concurso A Mais Bela Mulher Casada, no Ilha Porchat.

Nas redações, a definição de quem trabalha e de quem folga nos feriados é uma verdadeira batalha. Escalas e mais escalas, privilégios para uns, reclamações dos outros. Cansei de ouvir e dizer frases do tipo “já fiz plantão no carnaval, meu amigo, nem fodendo que eu vou trabalhar na Páscoa” ou “o problema é teu se você não vê a tua querida mãezinha há cinco anos; eu vou folgar no Natal e ponto final”.

Hoje, todos os dias são feriados para mim, mas o feriado desta semana, de Corpus Christi, será especial, porque terei quatro dias com o Nestor. Estou com a maior saudade daquele cachorro danado. Se o frio continuar, vamos passar todos os dias debaixo do edredom, comendo pipoca e vendo uns filminhos. O Nestor adora uns filminhos.

Aos amigos jornalistas que vão trabalhar no feriadão, muita paciência e a fé de que nenhuma tragédia vai acontecer, ninguém famoso morrerá. Descansarei por vocês!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As agruras de um assessor


A vida de um assessor de imprensa é cheia de obstáculos e tem gente que acha que é tudo uma grande moleza. Muitos têm de fazer mágica diariamente. A enquete Qual o perrengue mais cruel por que passa um assessor de imprensa?, que acabou de ser encerrada, destacou duas dificuldades principais.

A opção "Ser obrigado a conquistar uma puta matéria, de página inteira ou na Globo, mesmo sem ter um puta assunto para divulgar" venceu, com 43% dos votos. Na segunda colocação, bem coladinha, ficou a alternativa "Reunir uma galera numa coletiva sem graça, sem coffee break, numa manhã de chuva", com 39%. Como comentou uma leitora aqui neste blog, coletiva que bomba só no cinema ou na novela Celebridade.

A nova enquete, que já está no ar, quer saber se o jabá, aquele famoso presentinho que os jornalistas ganham de vez em quando, é um inocente mimo ou um eficaz meio de sedução ou corrupção. Bons votos a todos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Sobre desgraças e cervejas


Eu, que perdi o rumo quando me vi desempregado e corno, hoje dou um valor danado a quem se fode e não sucumbe ao desespero. E digo mais: admiro quem se fode e ainda consegue relaxar e curtir o momento. Nada como aprender a lidar com uma carreira tão cheia de turbulência. Quando se menos espera, vem um passaralho ou se declara a morte de um jornal. Viver na corda bamba dá medo, mas também dá coragem. Então relaxemos, de preferência com uma cervejinha.

Dias atrás, uma amiga e leitora me enviou uma matéria sobre o fim da Gazeta Mercantil. Sexta-feira, dia 29 de maio, circulou sua última edição. Nelson Tanure, dono da CBM, uma espécie de Lex Luthor tupiniquim, decidiu romper o contrato pelo uso da marca Gazeta Mercantil. Os jornalistas ganharam férias coletivas e a promessa de que receberão todos os seus direitos. Alguns ainda podem ser aproveitados em outras publicações de Tanure. É óbvio que os jornalistas acreditaram na promessa assim como acreditam no Papai Noel.

Mas o que mais chamou a atenção na tal matéria, da Folha de S.Paulo, se não me engano, foi o seguinte trecho: Apesar de acreditarem ser difícil a volta da publicação, os funcionários tentaram evitar o clima pesado no último dia. Após o fechamento da última edição do jornal, na noite de quinta (dia 28), houve cervejada na redação. Segundo jornalistas, o clima era de "dever cumprido e cabeça erguida”.

Isso que é despedida honrosa: encher a cara de cerveja.

Além do dever cumprido, eles devem ter celebrado também a libertação de Tanure. Ou a capacidade desenvolvida ao longo dos anos de enfrentar tanta coisa ruim. Com o tempo, nós, jornalistas, criamos anticorpos poderosíssimos contra desgraças em geral!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

E depois criticam a mãe Dinah


De pijama e chinelão no aconchego do meu apê de 49 metros quadrados, acompanhei, nos últimos dois dias, as notícias do desaparecimento do avião da Air France. Mais uma tragédia para a imprensa dissecar até o bagaço. Só se fala disso nos telejornais, na mídia impressa, nas rádios, na internê. Esqueceram a quebra da GM, a enchente no Piauí e a ameaça de a Coréia do Norte jogar bosta nuclear no ventilador. A desgraça do momento é outra!

A falta de informação aliada à necessidade de furar a concorrência é uma mistura desastrosa. Choveu especialista comentando o que ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Hipóteses aqui, suspeitas ali, análises vazias acolá. Um jogo de adivinhações. A princípio, um raio poderia ter sido a causa principal da “queda”. Horas mais tarde, essa versão passou a ser absurda. Já falaram em pane elétrica, zona de convergência intertropical, turbulência, bomba. Daqui a pouco a culpa será do Dunga. Depois criticam quando a mãe Dinah fala alguma besteira.

É fato que, no primeiro dia da cobertura, era mais fácil encontrar um político honesto em Brasília do que algum dado oficial sobre a tragédia. Nessas horas, o problema para o jornalista é ter a obrigação de informar o público a todo o momento sem ter nada de novo para acrescentar. Vira um vale-tudo danado. Alguns coleguinhas chegaram a matar 80 brasileiros; depois este número caiu para 59, 58. Jornalista é ruim de matemática mesmo!

A carga de dramaticidade também é proporcional ao tamanho da tragédia. O desespero dos familiares em busca de notícias nos aeroportos, por exemplo, sempre foi um prato cheio para os urubus de plantão, principalmente de programas sensacionalistas. A Air France, pelo menos, reservou uma área especial para receber parentes e amigos dos passageiros e não deixá-los tão expostos. Bem, podem meter o pau na imprensa, mas o público também adora se deliciar com todos os detalhes da desgraça alheia. Coisa de ser humano.

E como não poderia ser diferente, a partir de agora vão pipocar as matérias sobre segurança nos vôos, o papel das autoridades, a responsabilidade das empresas aéreas e aquele blablablá todo que já conhecemos. Depois, a gente esquece a tragédia e tudo volta ao normal, sem soluções para os problemas. A vida e a pauta diária seguem. Até a queda do próximo avião.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O plano B, o C, o D...


O jovem, confuso, às vésperas de prestar o vestibular, acaba de deixar o encontro de orientação vocacional do colégio. “Se nada der certo, eu viro hippie”, pensa. Na semana seguinte, após conversar com uma psicóloga sobre o mesmo assunto, faz nova reflexão: “Se nada der certo, inclusive ser hippie, eu viro jornalista”. Dias depois, já mais seguro de seu futuro, decide que quer mesmo um curso de jornalismo. Na vida, teremos sempre um plano B ou C ou D. Se nada der certo, inclusive ser hippie e jornalista, esse jovem, que já não será mais tão jovem, ainda poderá virar professor de jornalismo.

Ser professor de jornalismo hoje em dia tem sido a salvação para muita gente. Se faltam empregos nas redações, invadimos as assessorias de imprensa; se faltam empregos nas assessorias, invadimos as universidades. Ser professor de jornalismo é mais um campo profissional ou um complemento de renda. Alguns mais jovens terminam a graduação e já vão fazer um mestrado, porque, assim, terão mais chance em uma carreira docente.

Eu mesmo, jornalista desempregado, já pensei algumas vezes em dar aula. Seria um ótimo professor? Talvez sim. Ou prestaria um grande desserviço ao ensino superior brasileiro. Abaixo, transcrevo um cruel embate que rolou recentemente em minha consciência, entre um Duda que quer ser professor e um Duda que acha a idéia a maior roubada.

Duda que quer ser professor: O lance é dar aula, cara! Imagine a grande oportunidade que nós teremos de transmitir conhecimento aos jovens. Isso é o que vale a pena na vida!

Duda que não quer: Mas como? Numa sala de 80 alunos? Ninguém vai nos ouvir...

Duda que quer: Se metade ouvir já estará ótimo. Você não percebe a nobreza da missão?

Duda que não quer: Metade vai estar ouvindo música num Ipod durante a nossa aula! E a outra metade, sei lá...

Duda que quer: Tá bom. Então esqueça o lance nobre da coisa e sejamos práticos. Há quanto tempo estamos em atraso com as contas da luz e da água? E o aluguel?

Duda que não quer: Mas você acha que vamos ganhar muito dinheiro como professor? Pagam uma miséria! E, além disso, não temos nem mestrado.

Duda que quer: Tem um monte de faculdade que não exige mestrado. Até preferem, sabia?

Duda que não quer: Não vamos dar aula. A verdade é que não gostamos disso.

Duda que quer: Você não gosta. Fale apenas por você!

Duda que não quer: Tá bom, eu não gosto.

Alguns segundos de silêncio...

Duda que quer: E as menininhas? Nem pelas menininhas? Imagine quantas assistiriam às nossas aulas, ávidas por aprender jornalismo e algo mais...

Duda que não quer: (riso sarcástico) Estamos velhos, estamos velhos!

Duda que quer: Viado! E falo apenas de você, é claro!